Análise a Dune - Duna: Parte Dois

★★★★★ - «Dune - Duna Parte Dois» volta a elevar a fasquia com uma sequela maior que a própria vida. Denis Villeneuve prova que é um realizador monumental que faz jus ao legado hercúleo de Frank Herbert.

Depois de um adiamento provocado pela greve dos argumentistas, «Dune- Duna: Parte Dois» chega, finalmente, às salas de cinema de todo o mundo. Três anos depois do primeiro capítulo, o realizador canadiano Denis Villeneuve traz-nos a segunda parte da adaptação da saga «Dune» de Frank Herbert.

Será que a sequela eleva ainda mais os padrões de excelência cinematográfica ou sucumbe-se à repetição dos trunfos já usados?

«Dune» - Uma saga que transcende o cinema e os livros

Em 2021, ainda a ressacar do impacto da Covid-19, «Dune» foi, de facto, um escapismo dessa amedrontadora realidade e também um ponto alto cinematográfico desse ano. Numa era em que o acesso às plataformas de streaming é cada vez priorizado, muitas pessoas questionam a necessidade de deslocarem-se e assistirem um filme numa sala de cinema. Algumas delas, prescindem mesmo desse "velho" hábito. Pois bem, «Dune» é uma dessas longa-metragens densas - tanto de conteúdo como de duração - que justificou e dignificou o ato de ir ao cinema.

Mas, verdade seja dita, a saga «Dune» não é de fácil digestão. Para contextualizar: em vida, Frank Herbert publicou seis livros, num espaço de duas décadas. O autor acabaria por falecer em 1986, mas o seu filho, Brian - juntamente com o Kevin J. Anderson - continuou o legado de Frank Herbert, tendo publicado mais de 20 livros ao longo dos anos

Estima-se que o só o primeiro livro tenha vendido mais de 20 milhões de unidades.

Afinal de contas, o que trata «Dune»? De forma mesmo muito resumida,«Dune» é uma estória passada num futuro muito distante e pós-apocalíptico. A «spice» tem um lugar central na vida política dos vários planetas. Quem controla esta «especiaria», comando o destino do universo. Há duas principais famílias que disputam por esse poder: os Harkonnen e os Atreides. Paul Atreides é visto como alguém com altas propensões para se tornar num líder nato. O mesmo aterra em Arrakis, com objetivo de garantir o futuro da sua família e, por conseguinte, irá entender o seu papel nesta trama geo-política.

Muitos críticos literários sublinham a relevância de «Dune» na cultura popular. Faço uso do paralelismo que The Library Journal, estabeleceu para ilustrar a importância de «Dune»: "A influência de Frank Herbert na ficção científica é equiparável ao que J.R.R. Tolkien - autor de O Senhor dos Anéis - conseguiu fazer com a literatura fantástica".

Muitas ideias exploradas em «Dune», iriam ser fontes de inspiração noutras sagas. Por exemplo, em «Star Wars», o planeta Tatooine tem várias características semelhantes com o planeta Arrakis.

A "epicidade" de «Dune»

O «Dune» já teve outras adaptações audiovisuais: uma por David Lynch - apesar de ter sido muito condicionado pelos estúdios Universal - e duas séries nos anos 2000 exibidas, originalmente, no SciFi Channel dos Estados Unidos. Mesmo com os seus pontos positivos e negativos, algo que faltava claramente era um orçamento robusto e tecnologia capaz de transpor as páginas dos livros de Frank Herbert no grande ecrã.

Fotografia: Florence Pugh encarna a Princesa Irulan na sequela de «Dune» / D.R.

É aí que Denis Villeneuve e o músculo financeiro da Warner Bros entram em cena. O aclamado cineasta tem no seu currículo filmes como Arrival e Blade Runner 2049. Estes dois são provas mais que suficientes que o realizador canadiano teria estofo para orientar um projeto desta envergadura.

Com Timothee Chalamet a liderar um elenco de luxo - com Zendaya, Oscar Isaac, Rebecca Fergunson, Jason Mamoa, Stellan Skarsgård e Javier Barden - a longa metragem teria, à partida, os ingredientes certos para se destacar em relação às outras adaptações que «Dune» teve ao longo dos anos.

«Duna: Parte 2» é a continuação do primeiro filme no sentido mais literal possível

A longa-metragem de 2021 espelhou este universo futurista, tendo em conta o dedo de Villeneuve. Com planos cinematográficos que revelavam a grandeza dos mundos escritos nas páginas dos livros, juntamente com uma linguagem estética que pintava de forma exímia a visão de Frank Herbert, Denis Villeneuve conseguiu fazer com que o espetador deixasse mergulhar nestas paisagens futuristas.

Apesar disto, a maior crítica apontada a «Dune» de 2021 é que os atores, em alguns momentos, pareciam que tinham prestações incapazes de transparecer emoção. Tendo em conta a complexidade dos conceitos e personagens deste universo, era algo desafiador para o realizador passar esta mensagem para o seu elenco.

No entanto, com «Dune: Duna - Parte Dois», Villeneuve parece ter ouvido as críticas referentes a este ponto menos conseguido. Na sequela, todo o elenco mostra-se mais empenhado em mostrar os seus conflitos emocionais. O misticismo de «Dune» continua presente e é aprofundado de forma delicada. O filme é de longa duração sim - mais de duas horas e meia - mas, em contra-partida, permite que o realizador consiga "respirar" e expõr as suas ideias. Possibilita, também, ao espetador de "mastigar" o universo.

Fotografia: Austin Butler interpreta um implacável Feyd Rautha / D.R.

Paul Atreides - interpretado por Timothee Chalamet - tem um crescimento notório. Para quem teria dúvidas se o ator teria capacidade de protagonizar uma franquia destas, «Parte Dois» dissipa-as. O conceito de Messias é explorada e a visão de Villeneuve foi capaz de ilustrar as angústias de acreditar num dogma destes.

Chani - interpretada pela popular Zendaya - prova a sua pertinência na trama, e faz um bom par com o personagem de Chalamet. É de facto uma melhoria, em relação ao primeiro filme, visto que a atriz tinha uma presença minimalista.

Florence Pugh e Christopher Walken são algumas das novidades que fortalece ainda mais o elenco de luxo de «Dune» de 2021. Entram bem neste universo e, prometem ter um papel ainda mais determinante numa eventual terceira parte desta franquia. O (quase) irreconhecível Austin Butler - que encarna Feyd Rautha - tem também um presença impactante como "rival" do personagem de Timothee Chalamet. Para mim, foi uma das surpresas desta longa-metragem.

O imperial Hans Zimmer foi novamente responsável pela banda sonora. Apesar de não ter chegado aos píncaros de genialidade do filme de 2021, não compromete em nenhum momento a "estória sonora" deste universo.

Veredito

«Dune - Duna: Parte 2» não inova propriamente o filme de 2021, mas isso não é necessariamente mau. Pelo contrário. Dennis Villeneuve prova, novamente, que compreende o universo de Frank Herbert trazendo a sua interpretação de uma saga complexa de ficção científica.

É uma obra cinematográfica que merece ser vista no grande ecrã. Em termos de fotografia, continua imaculável. Se tiverem oportunidade de assistir numa sala IMAX, façam-no. Apesar de ter um elenco bem conhecido do grande público, o argumento pode ser desafiante em alguns momentos para um público dito mainstream.

Sei que ainda não chegamos ao fim do primeiro semestre de 2024, mas arrisco a dizer «Dune - Duna: Parte 2» estará certamente presente nas listas dos "melhores do ano".